Tropicalismo: a esperança transmitida pela música nos tempos da Ditadura
Liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, o Movimento cultural apostava em um novo país
Maicon de Almeida
A música popular brasileira foi uma das mais importantes formas de expressão contra o governo na época da Ditadura e o Movimento Tropicalista surgiu durante nesse período, em 1967, inovando o cenário musical do país.
Liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, seus objetivos comportamentais alcançaram grande parte da população que vivia sob o regime militar, mas apesar disso “o movimento não foi bem aceito, a princípio. O público estranhou e a imprensa criticou. As cores vibrantes, o estilo arrojado dos integrantes, os acordes de guitarra combinados aos elementos da cultura popular baiana demoraram a vingar. Foram acusados de alienados em oposição aos grandes nomes da música-manifesto da época, sendo o principal opositor, Geraldo Vandré”, explica a jornalista e mestranda em Mídias e Mediações Socioculturais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Janine Justen.
A jornalista salienta que a Tropicália apenas se consolidou como um movimento de viés político quando se viu alvo da repressão estatal. “A partir deste momento, de perseguição e censura efetivas do grupo, a dimensão libertária contra a “moral e os bons costumes” torna-se, de fato, uma bandeira e o apoio do público, que passa então a se identificar com as motivações”, completa.
As músicas do movimento Tropicalista tinham letras poéticas, que tratavam de temas cotidianos e ocultavam as críticas. Para cantora e professora de canto e história da música popular na Faculdade Santa Marcelina - SP, Lívia Nestrovski, a música “conseguia driblar a censura e denunciar certos aspectos do que estava ocorrendo no país”. Sem dúvidas, não só as canções de protesto ganharam espaço e visibilidade, como também os estilos mais romanceados, por versarem sobre temáticas não políticas. “Podemos falar aqui do iê-iê-iê da Jovem Guarda ou da música brega, frequentemente pejorativizados pelo martelo da alienação. Curioso pensar que hoje esses estilos compõem uma parcela significativa do que classificamos como ‘música popular brasileira’, apesar de, na maioria das vezes, a sigla MPB carregar consigo apenas expressões da alta cultura, como o choro e a bossa nova, ainda mais quando compactada em versões de exportação”, completa Janini.
A Ditadura alimentou na população brasileira sentimentos de medo e tristeza e pensando em amenizar esses mesmos sentimentos, alguns compositores fizeram do Tropicalismo um grande movimento cultural, que disseminava mensagens de esperança, de forma camuflada, através da músicas. Mais do que isso “o Tropicalismo justamente vem romper com o que o próprio Caetano chama de ‘folclorização do subdesenvolvimento’, e com isso não pretende responder perguntas ou resolver problemas. É o contrário: ele apresenta o problema de modo esférico, em toda sua complexidade. Pessoalmente, vejo o Tropicalismo como um movimento sobretudo estético, e não político”, relata Lívia.
Para a mestranda Janine, o grande legado do Tropicalismo se relaciona a essa característica de uma “cultura coringa”, capaz de transitar quase que livremente entre os mundos do erudito e do popular, tangenciando o conceito de cultura de massa (não o contempla mas também não o nega). “Talvez seja esse o elo que tanto procuramos no ‘Brasil-Heterogêneo’”, acrescenta.
A professora Lívia explica que a Tropicália foi o conjunto de diferentes estilos musicais. “Trata-se da união de praticamente todo o caldo cultural da época: bossa nova, rock’n’roll, pop, baião, seresta, música eletroacústica, etc”. O som da guitarra elétrica, a melodia serena dos violinos e a ondas eletrizantes do berimbau conviviam em completa harmonia. “O Tropicalismo deixava as pessoas perplexas. E ainda deixa. Até hoje, Caetano Veloso, quando lança um disco, causa um impacto muito forte”, explica.
Além de Caetano e Gil, o movimento teve apoio de muitos músicos famosos:
A representação do movimento por esses artistas foi tão forte que um dos maiores exemplos desse engajamento foi a composição da música "Tropicália", de Caetano Veloso. Outro momento importante para a consolidação do movimento Tropicalista aconteceu no Festival de Música Popular Brasileira, onde Caetano Veloso cantou "Alegria, Alegria". A letra dessa música está repleta de preocupações comuns relacionadas aos jovens da época, que estavam cercados pelo mundo das notícias, dos grandes espetáculos, televisão e propagandas.
“Domingo no parque”, de Gilberto Gil, também causou impacto pela diversidade construtiva de sua composição. A letra, a música e o canto compunham uma sequência de movimentos variados e, ao mesmo tempo, sincronizados com vozes em rotação. Gil utilizou fragmentos reais e muito importantes para construir “Domingo no parque”, como ruídos de parque, instrumentos clássicos, berimbau e instrumentos elétricos.
Confira as principais músicas que marcaram o Tropicalismo:
Procurando associar uma nova linguagem musical a partir da tradição da música popular brasileira e dos elementos que a modernização fornecia, o trabalho dos tropicalistas se concretizou como um deslocamento das ideologias que visavam a interpretação da realidade nacional. Ao participar de um dos períodos mais criativos da sociedade, os tropicalistas assumiram as contradições da modernização. “As polarizações que haviam se criado em torno da MPB na década de 1960 se fundiram no Tropicalismo. Fora isso, havia uma relação muito intensa com a performance, o corpo em cena, que incluía também figurinos escalafobéticos e uma postura de palco distinta do que vinha ocorrendo. Essa mistura de elementos, por consequência, tinha reações diversas, de interesse e repulsa”, explica Lívia.
Em 1969, os Mutantes realizaram o seu último concerto com Caetano e Gil. Foi durante a conturbada temporada na boate carioca Sucata. Durante a apresentação foi pendurada, no cenário do espetáculo, uma bandeira feita pelo artista plástico Hélio Oiticica, com as palavras "Seja Marginal, Seja Herói", e a imagem de um traficante famoso na época, o Cara de Cavalo. Os militares afirmaram que Caetano teria cantado o Hino Nacional, porém com versos ofensivos às Forças Armadas. Isto tudo serviria de pretexto político para que os militares suspendessem a apresentação, prendessem Caetano e Gil e, posteriormente, soltos e exilados no Reino Unido. Esse seria o fim do movimento vanguardista.
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