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Das ruas à democracia

A proporção que a campanha denominada “Diretas já” alcançou em todo o país demonstra a vontade do povo brasileiro de participar das decisões políticas do país.


Jéssica Veloso


A campanha pelas manifestações populares denominadas “Diretas já” foi uma demonstração de que os brasileiros queriam expressar seu voto novamente, queriam de volta o ato que representava a democracia no país. Jovens e adultos foram para as ruas pregar a favor das eleições diretas. O então deputado federal, Dante de Oliveira (PMDB), havia apresentado uma proposta em março de 1983 de emenda constitucional, na qual deveria restabelecer as eleições diretas à Presidência. Direito que foi negado à população com a instauração do Ato Institucional-1 (AI-1) pela junta militar em 1964.


O movimento foi considerado por muitos historiadores como a primeira manifestação popular de massa que envolveu as grandes capitais do país. Cada manifestação contava com cerca de 200 mil pessoas, como a que aconteceu na Praça da Sé, em São Paulo, no dia 25 de janeiro de 1984. Entre os civis havia artistas, carismáticos e políticos, o que ganhou grande repercussão na mídia da época. Participaram da campanha lideres sindicais, líderes políticos de esquerda, como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Fernando Henrique Cardoso, no então MDB, que depois viraria o PMDB, os futuros líderes do PSDB, que vieram do MDB, além dos futuros líderes do PDT como Leonel Brizola e Lula do PT.


Para o docente universitário e historiador, Elder Hosokawa, mestre em História Social pela USP, a época foi marcado por grande expectativa de dias melhores, apesar de que os que participaram foram apenas os mais engajados politicamente. “Um grupo da minha sala no meu primeiro ano de faculdade se juntou ao grupo de manifestantes na Praça da Sé em São Paulo, mas as aulas continuaram normalmente na PUC”, afirma.


O aposentado Manoel Batista, 68 anos, foi um dos que participaram das manifestações em São Paulo. Ele conta o que o motivou a ir às ruas: “eu e meus amigos não aguentávamos mais ver a situação política em que o país se encontrava. Ninguém podia falar nada, se não era reprimido, e através das “Diretas já” ganhamos coragem para nos expressar e mostrar nossa indignação”.


Diversos comícios foram realizados para chamar as pessoas à luta, o primeiro foi em 31 de março de 1983 em Pernambuco, o que desencadeou uma onda de protestos pelo país, entre eles em Goiânia no dia 15 de junho de 1983 e em Teresinha no dia 26 de junho. Apesar das manifestações por todo o país, a emenda Dante de Oliveira não foi aprovada pelo congresso. “Esse movimento praticamente atiçou as esperanças de mudança no Brasil, mas a gente sabe o que aconteceu no Congresso Nacional”, lamenta Hosokawa.


As manifestações que tomaram as ruas em 1983 e no ano seguinte mostra que apesar do povo brasileiro ser pacifico, devido a sua diversidade cultural, lutar por dias melhores está dentro de cada um. O momento lembra um pouco o que aconteceu em junho de 2013, onde diversos manifestos aconteceram por todo Brasil. Entretanto, a doutora em Geografia Humana, Germana Ramirez, explica que existiram diferenças entre as manifestações de cada período.


Segundo Germana, os protestos do ano passado contaram com a ajuda da internet para maior difusão dos manifestos, já naquela época as pessoas que iam as ruas eram as que realmente conheciam os problemas do país e estavam engajados em ajudar a melhorar a política da nação. Mesmo assim, ambos os casos apresentam um povo brasileiro que tem se transformado com os anos. “Essa saída às ruas da empregada doméstica, da universitária, em fim, de classes sociais distintas nas ruas, serve como um termômetro. Serve como um indicativo de que a nossa sociedade tem mudado” enfatiza.


O professor Hosokawa percebe isso em sala de aula e afirma que sua forma de gestão mudou de alguns anos atrás para agora: “eu vejo o tempo todo o aluno querendo protestar as coisas. Isso é ótimo. Aquele militarismo que você tinha no passado, já não vale mais, você tem que partir para o diálogo o tempo inteiro.”


A ditadura já estava se esgotando em 1984, o regime já não tinha condições de continuar, mas a democracia esperada não rendeu muito. “Na verdade, as coisas voltaram muito próximas do nível político de alienação da Ditadura Militar”, afirma o historiador Hosokawa.


De acordo com Hosokawa, ainda há muito o que se fazer no país para que de fato se estabeleça uma democracia. “Eu não vejo as “Diretas já” como um avanço, a não ser um marco do final do regime militar, mas o regime democrático que foi instaurado é um regime ainda autoritário, uma forma de governo que ainda não trouxe uma distribuição igualitária de riqueza no país”, assegura.


As revoluções de massa sempre deixam marcas permanentes na sociedade, pode ser uma oportunidade de mudar as bases de um país; entretanto, melhorar a forma de pensar de uma nação é um caminho de médio a longo prazo.




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