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O paradigma cinematográfico brasileiro com o fim da Ditadura Militar

Renan Freitas e Maicon de Almeida

Durante os anos vigentes do Regime Militar no Brasil muitos atores, músicos e diretores sofreram diretamente o poder da chibata dos ditadores. Entre a classe perseguida estava o cineasta, produtor e roteirista brasileiro Helvécio Ratton.

A história de Ratton possui vínculos aos anos de chumbo. Militante político austero, o mineiro de Divinópolis não poupou esforços para reconquistar a democracia tomada às forças da população. “Quando veio o Golpe Militar eu era muito garoto, tinha apenas 14 anos. Só me dei conta da situação do país com 16 ou 17 anos e, principalmente, quando entrei na universidade em 1968. Foi nesse momento que eu tive uma participação muito grande no movimento estudantil e mais tarde junto a grupos clandestinos que combatiam a Ditadura”, lembra.

Com a vida ativa na frente combatente ao Regime Militar imposto, não tardou para o diretor de ‘O Menino Maluquinho’ sentir o que era estar nas mãos dos governantes da época. “Tive uma militância muito intensa, o que me levou a ser condenado a um ano e meio de prisão. Fiquei um tempo clandestino no Brasil e tive que me exilar no Chile durante quatro anos”, lamenta.

Em 2007, Helvécio Ratton lançou ‘Batismo de Sangue’, filme que adapta a história do livro homônimo de autoria do escritor Frei Betto. A obra literária em questão foi publicada pela primeira vez em 1983 e venceu o Prêmio Jabuti, o mais importante do segmento no Brasil. “Toda essa vivência me permitiu mais tarde ter elementos, digamos, com certa verdade, para fazer o ‘Batismo de Sangue’. Acho que levei para o filme meu conhecimento que, de fato, foi esse combate contra a Ditadura. Como era essa militância, minha relação com meus companheiros”, relata.

Assim como no livro, a trama do longa acompanha, na cidade de São Paulo, no final da década de 1960, o convento dos frades dominicanos que tornou-se uma das mais fortes resistências à Ditadura Militar vigente no país. No elenco: Caio Blat, Cássio Gabus Mendes, Daniel de Oliveira e Ângelo Antônio.

Muitos filmes foram produzidos nos últimos anos visando relatar o clima do Regime Militar, dentre eles ‘Manhã Cinzenta’ (1968), ‘Pra Frente, Brasil (1982), ‘O Que é Isso, Companheiro?’ (1997), ‘O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias’ (2006) e ‘Zuzu Angel’ (2006). “Eu acho que esses filmes ajudam o brasileiro a entender a sua história, porque, na verdade, já se passaram 50 anos do Golpe Militar e embora isso seja pouco na vida (etária) de uma nação é muito na vida de uma pessoa. Muita gente não tem ideia do que foi aquele período. As pessoas mais jovens, que nasceram bem depois, não sabem como é viver em um país sem democracia”, argumenta Helvécio.

Para Ratton, existe a necessidade de manter o assunto em questão sempre na memória, o povo não pode esquecer o que foi o país na Ditadura. “Acho que para a gente compreender como reconquistamos a democracia no Brasil, o cinema cumpriu um papel importante, principalmente porque esse período nunca foi passado a limpo”, reconhece.

‘Batismo de Sangue’ se difere de outros filmes do gênero. O diretor optou por não aliviar a violência das torturas. Tudo é explícito. “Eu achava que os filmes tinham ficado sempre na porta e não tinham entrado nos porões da tortura no Brasil”, frisa.

No filme, os freis são raptados e acusados de traidores da igreja e da pátria. Interrogados. A punição era a tradicional na época. “A informação foi arrancada deles da forma mais brutal possível e em circunstâncias que é muito difícil um ser humano resistir. Então, na verdade quando expus a tortura de uma forma explícita eu queria mostrar como isso foi usado como instrumento para a Ditadura, como esses homens sofreram e mostrar que a tortura não era uma coisa praticada por monstros. Ela era praticada por funcionários públicos, que inclusive eram recompensados por seus atos. Era tudo isso que eu queria deixar bem claro no filme”, explica.

O fomento cinematográfico no Brasil

Para a produção de ‘Batismo de Sangue’, Ratton obteve financiamento parcial vindo de estatais governamentais. Esse processo é corriqueiro no fomento de produções do tipo no país. O modelo vigente hoje é o que restou da outrora Embrafilme, principal investidora do cinema nacional nos anos de chumbo.

De acordo com o cineasta Fernando Biscalchin, a Embrafilme era responsável por assessorar o dinheiro arrecadado para a produção cinematográfica. “Ela tentava se comportar como os grandes estúdios dos Estados Unidos, porém, com a diferença de que esses se auto sustentavam, uma vez que nunca dependeram de dinheiro do governo para financiamentos”, expõe.

O período de êxito no cinema brasileiro se desfez com a era Fernando Collor de Mello. O presidente, que mais tarde sofreria impeachment, ordenou que as atividades da Embrafilme fossem canceladas. “Em 1990, com o Programa Nacional de Desestatização do governo, o ex-presidente Collor decidiu interromper de vez a autoria da Embrafilme no processo de produção e distribuição de filmes, que após o fechamento gerou um período de escassez na produção cinematográfica brasileira, que já não era tão grande”, lamenta.

Para a professora de cinema da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFMG), Alessandra Brum, a Embrafilme, em seus últimos anos, não vinha concretizando o trabalho de outrora. “O fim da estatal era esperado pelo setor, pois a empresa já apresentava sinais de desgaste já há alguns anos. O que pegou o setor completamente desprevenido foi que o Collor extinguiu a Embrafilme e não apresentou nenhuma proposta alternativa, tratou a cultura como um problema de mercado. Ora, essa atitude do governo deixou todos sem ação, demonstrando por outro lado, a fragilidade da classe cinematográfica”, observa a docente.

Para Biscalchin, o hiato de cinco anos na produção cinematográfica brasileira se interrompeu com ‘Carlota Joaquina’ (1995), de Carla Camurati. Entretanto, o cineasta acredita que o Brasil voltou a ser lembrado como produtor audiovisual com um filme em especial, no qual fez grande sucesso crítico. “O país começa a ser cogitado como um país nacionalmente conhecido cinematograficamente a partir de ‘Central do Brasil’ (1998, dirigido por Walter Salles) que levou a atriz Fernanda Montenegro a ser indicada ao Oscar”.

“Mesmo com o filme de Bruno Barreto, de 1995, ‘O Quatrilho’ que foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, o cinema brasileiro ainda se esconde devido ao pouco dinheiro investido do governo para distribuição e publicidade do filme no Brasil e fora dele”, completa Fernando.

Para Biscalchin, os filmes brasileiros a cada ano adquirem um padrão de qualidade tanto em suas histórias quanto em termos de tecnologia audiovisual. “É evidente que assim como muitos outros países que fazem do cinema uma parte importante no campo da cultura, nós também estamos longe de trabalhar com softwares e equipamentos de captação e finalização de som e imagem idênticos aos que Hollywood utiliza”.

Atualmente a produção cinematográfica no Brasil é financiada retalhadamente. Parte vem do governo, parte da inciativa privada. “O dinheiro cedido depende de cada instituição, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) é a que detém o maior fomento, que varia de R$ 400 mil até R$ 4,5 milhões, dependendo do projeto. Mesmo assim, muitos longas metragens não conseguem ser pagos com o valor máximo do edital, e precisam aplicar o projeto em mais outros editais para conseguir o capital necessário para a produção”, explica.

Se o longa metragem é finalizado e seus realizadores não possuem dinheiro em caixa para sua distribuição, a Ancine novamente age. Anualmente ela abre editais de valores de até R$ 2,5 milhões para ajuda de custo para distribuição, mas, mais uma vez é preciso aplicar o projeto e esperar mais quatro meses para a resposta.

“Quando o proponente consegue distribuir o filme nos cinemas, uma parte do valor adquirido (15%) com as bilheterias volta para os caixas da Ancine e o restante vai para o diretor e seus sócios. Caso a Globo Filmes goste do projeto e decida distribuir, uma fatia imensa (de 80% a 85%) vai para os caixas da Globo Filmes e o restante (15%,) para a Ancine, as sobras para o diretor e seus sócios”, finaliza Biscalchin.

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