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Liberdade para o experimentalismo

Atual música brasileira revela influência libertadora da Tropicália

Manaces Silva e Maicon de Almeida

Antes da Tropicália, a polarização que dividia os músicos e o público entre o que era “legítimo”, “autêntico”, e o que podia ser considerado menos relevante culturalmente era mais evidente. A cantora e professora de canto e história da música popular na Faculdade Santa Marcelina - SP,LiviaNestrovski,explica que nos dias atuais algumas pessoas ainda colocam os estilos musicais em oposição: “Guinga é bom, funk é ruim. Mas é bom pra quem?! Ruim pra quem?! Esse é um discurso elitizado e burro, em minha opinião”.

Ela também defende que a influência da Tropicália ajudou a mudar a forma com que as pessoas enxergam a musica e os movimentos culturais, dando mais vazão ao experimentalismo.“Creio que acima de tudo, o Tropicalismo tenha mudado a forma com que artistas encaravam as influências que vinham de todos os lados”, afirma Lívia.

Os artistas compreenderam que é possível uma convivência entre todas as manifestações que ocorrem no Brasil, e que é positivo misturá-las de maneiracriativa. “Na verdade, o funk já é fruto dessas misturas, assim como foi o samba, o maxixe, o lundu”, explica a professora. Lívia acrescenta, ainda, que artistas como Kristoff Silva, por exemplo, que em seu último disco, juntou o que há de mais complexo em termos de composição (letra, melodia e harmonia) com a música eletrônica,é uma tendência da música pop no mundo todo.

Caetano Veloso também fez isso em seu último álbum eno disco de Gal Costa que produziu. “Acho essas experimentações importantes e inevitáveis. Afinal, não dá pra seguirmos achando que os moldes da canção de 50 anos atrás devem permanecer intocáveis. Os tempos mudam, a cultura muda. Não sei se isso é uma influência direta do Tropicalismo, ou se apenas o Tropicalismo previu o curso natural das coisas”, diz a professora.

Para Lívia, atribuir todas as modificações e antagonismos da música popular brasileira de hoje ao Tropicalismo, numa linha direta, não faz sentido. Mas existem semelhanças. E talvez o Tropicalismo tenha mostrado que essas fusões podem dar certo.“Hoje, Calypso virou cult e as guitarras paraenses invadiram a música dos paulistanos. O trio carioca Pearls Negras traz no nome essa fusão de culturas, e sobrepõe uma música oriunda do morro às bases feitas por um produtor inglês (que, por sua vez, traz do próprio funk os elementos principais de suas batidas eletrônicas). Hoje, o Coral da USP canta “Beijinho no Ombro”, hit da ValeskaPopozuda (e, aliás, não foi o próprio Mister Catra que disse que Caetano Veloso é seu compositor preferido?)”, diz a professora.

Segundo a mestranda em Mídias e Mediações Socioculturais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Janine Justen, outras formas de arte usufruíram do legado deixado pelo movimento tropicalista. “Foi possível legitimar como parte da ‘cultura nacional’uma outra cultura, proveniente não de uma reprodução inconsciente de estímulos que chegavam de fora e eram ingenuamente retransmitidos, mas por uma incorporação desses aspectos ao nosso cotidiano, aos nossos costumes e necessidades, ressignificando-os”, explica.

Algumas bandas também diversificaram e uniram tradições nacionais e inovações estrangeiras, como Secos Molhados e Chico Science e Nação Zumbi. Álbuns no exterior também sofreram influências, como David Byrne, DevendraBanhart, Beck e até Kurt Cobain.“A Tropicália teve o poder do ineditismo e garantiu autenticidade às novas manifestações artísticas nacionais. Ficou difícil, por exemplo, acusar de alienados os discursos defendidos pelos músicos que sofriam clara influência estrangeira”, afirma Janine.

No Brasil, a influência do movimento é percebida até hoje. Por exemplo, a Banda Aeroplano gravou seu segundo álbum intitulado como “Ditadura da felicidade”, incluindo em seu tracklist músicas que provocam reflexão sobre a Ditadura de forma crítica e “bem humorada”.

Veja também: Ditadura da Felicidade – Maicon de Almeida.

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