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Ditadura homofóbica

Isadora Stentzler

Nas décadas de 70 e 80, quando o Ato Institucional 5 no Brasil já havia sido decretado dando plena autoridade ao presidente e diminuindo as liberdades individuais, surgiu no país o movimento LGBT. Reflexo de uma corrente europeia, a lá brasileira a categoria se posicionou timidamente na luta contra a ditadura, mas, desde cedo, foi severamente reprimida. Um agravante cometido não só pela polícia, mas por grupos da própria esquerda também.

Na época, a nomenclatura não compreendia a todos e todas. A luta era para lésbicas e os gays, ponto. Bissexuais e transexuais, embora existissem, não eram citados. Isso ocorria devido ao preconceito. De acordo com o professor de História e Cultura Brasileira da Brown University, James Green, que também é um dos responsáveis pelo capítulo de homossexualidade do relatório da Comissão da Verdade, os argumentos que legitimavam os ataques ao grupo eram meros conceitos conservadores. “A homossexualidade era um desvio burguês, um pecado ou uma doença”, esclarece, pontuando que quem fantasiava desta forma era a própria esquerda que, ao sonhar com um Estado socialista, criou regras de conduta que acabaram saindo do controle. Já dos inquéritos da Comissão Nacional da Verdade, lê-se que qualquer casal fora dos padrões heterossexuais, era caracterizado como responsável por “atentados contra a moral e os bons costumes”.

Para isso a expressão do relacionamento homoafetivo era irrisória e se dava em bares que surgiram às escuras do sistema. Lugares quase que clandestinos, mas sempre alvos de batidas e ameaças policiais. O foco, nesses lugares, eram os gays e as lésbicas, já que não se vivia numa democracia. Foi só em 1980 que o cenário mudou e o grupo ganhou às ruas.

O que aconteceu foram dois casos específicos: o engrossamento da ostensiva policial e a organização, em 1978, do grupo Somos: grupo de afirmação homossexual de combate à ditadura. Em seguida, em abril de 1980, os LGBT’s organizaram um encontro nas cedes no teatro Escobar que ajudou a endossar o movimento. Cerca de 600 pessoas participaram. Mas o coro só se uniu de verdade após junho daquele ano.

Naquele período, Green lembra, o delegado José Wilson Richetti, da 4ª Delegacia de Polícia de São Paulo, resolveu “limpar” o centro da cidade prendendo travestis, gays e prostitutas. “Foram mais de 1.500 presos entre maio e junho”, pontua. Em resposta, o movimento organizou uma pequena passeata politizada contra a repressão policial no dia 13 de junho de 1980. “Que foi, na verdade, a primeira atividade pública e politizada forte contra a discriminação social.”

O jornal Lampião, parceiro do grupo Somos, publicou sobre o ato: “Naquela sexta-feira 13 de junho, dia de Santo Antônio, quase mil pessoas se reuniram diante do Teatro Municipal, no começo da noite. É verdade que há uma chuva intermitente [...]. Compareceram sim as bichas rasgadas que pouco têm a perder, além da vida [...]. Subindo pela Avenida São João e parando o trânsito, a passeata abria-se com um cordão de mulheres enlaçadas."

A partir deste marco, os tímidos movimentos tomaram corpo nas ruas e se assistiu o avanço de um grupo de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais mais organizado.

AI-5, um bloqueio

No entanto, o passo a passo foi lento, já que o país ainda estava sob os autos do AI-5. Uma das fundadoras do coletivo Feminista Lésbico nascido em 1979, Marisa Fernandes, lembrou, no mês de março deste ano durante a Audiência Pública “Ditadura e Homossexualidade no Brasil”, que um dos empecilhos para o desenvolvimento articulado do grupo era a falta de abertura para as manifestações homossexuais.

Green também avalia isso, alegando que o AI-5 oi “um atraso para o movimento LGBT”.

O texto não tinha nenhuma cláusula tangente aos gays, lésbicas, bissexuais e trans, mas possuía severas normas de conduta dos trabalhadores do Estado, bem como dos cidadãos.

Incongruente anistia

Há 50 anos dos anos de chumbo, o movimento LGBT está mais firmado. No entanto, aos olhares que seguem no passado, ver grupos formados sem o devido encaixe que ficou nos porões da ditadura é lastimável.

Hoje, o que o grupo mais quer é que a Lei da Anistia, política promulgada em 1979 que isentou de punição os brasileiros que cometeram crimes políticos entre os anos de 1961 e 1979, seja revogada, para que então o movimento não se veja mais como um grupo no segundo plano das políticas inclusivas. “Não podemos descansar, não podemos nos esquecer, até que todos os agentes da repressão sejam punidos; até que todo torturador covarde apodreça na cadeia”, enfatizou Wilson Honorio Silva, defensor de políticas direitos LGBT pelo PSTU.

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