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Decepção dos noveleiros, a gente vê por aqui!

A prática de censura às artes e aos meios de comunicação reinou por 20 anos como conseqüência do governo militar. Vetada, através do sarcasmo contido em suas novelas, a Rede Globo foi julgada como promotora de oposição

Jacqueline Gava

Após a promulgação do AI-5 (Ato Institucional nº 5), a liberdade de expressão entrou “em coma”, já que todos os veículos de comunicação passaram a ser vigiados e previamente analisados antes de sua divulgação. A falsa propaganda que o governo brasileiro pretendia fazer do país, e de si mesmo, deveria ser repassada à população e ai de quem veiculasse o contrário.

Uma nação estável politicamente, próspera e regida na mais perfeita base ética e moral deveria transparecer através de qualquer forma de expressão e arte. Qualquer menção à realidade, ou seja, falta de liberdade, perseguição política ou torturas deveria ser punida ou simplesmente omitida da população. Caso alguém pulasse fora da faixa, os calabouços estavam prontos a abrigarem soluções para os problemas.

Na época, a telenovela diária (já no formato que se tem hoje) era a principal forma de entretenimento que a televisão brasileira oferecia aos expectadores. Exibida pela Rede Globo no ano de 1969, a novela intitulada “A Ponte dos Suspiros” foi escrita por Dias Gomes. O autor possuía militância política de esquerda, por isso, assinou a obra com o pseudônimo de Stela Calderón. No decorrer da trama, o autor mudou radicalmente o texto, até então supervisionado, e passou a debater temas políticos. Com isso a censura obrigou a novela a ser transmitida às 22 horas.

Para a psicanalista Maria Rita Kehl, integrante da Comissão Nacional da Verdade, a realidade exposta nas obras pode ser considerada como um tempero a ser acrescentado em doses maiores ou menores, ou seja, uma fantasia poderá ser comparada a essa realidade de acordo com o objetivo a ser alcançado pelo autor.

Na primeira fase do Golpe Militar, a teledramaturgia ainda não gerava grande influência na opinião pública, porém foi em 1970, com o lançamento de “Irmãos Coragem”, escrito por Janete Clair, que a paixão brasileira foi interrompida pelas formas mais insanas de censura. “O Bem amado”, de Dias Gomes, teve sua música tema de abertura “Paiol de Pólvora – Vinícius de Moraes” proibida, assim como, os personagens de terem apelidos alusivos aos militares.

Porém nada se compara ao golpe sofrido pelo autor em “Roque Santeiro”. Minutos antes de seu primeiro capítulo ir ao ar, um comunicado da Delegacia de Ordem Pública e Social (DOPS) anunciou a descoberta da pretensão do autor em adaptar um texto de sua autoria, proibido em 1963. Substituída por uma reprise de “Selva de Pedra”, a novela só foi exibida em 1985.

Esses e outros golpes sofridos pela Rede Globo estavam vinculados ao sarcasmo escancarado esboçado na teledramaturgia em oposição ao regime político promovido pelos militares da época. Críticas fortes, com pitadas de rebeldia, faziam projetos de lei instituídos na época, como o divórcio, serem satirizados e abordados com naturalidade pelos dramaturgos através de seus protagonistas. Mas mesmo assim a censura se mantinha conservadora.

Maria Rita destaca que os dados políticos da época, abordados pela teledramaturgia, eram os principais fatores que incentivaram a cesura. “Os choques entre o Brasil moderno e o arcaico são representados por oposições... O novo é visto como inevitável, ainda que, em alguns casos, pintado com cores sombrias e representando a destruição de modos de vida e valores nostalgicamente desejáveis”, diz.

Não só por motivos políticos, como também de cunho moralista e defensora dos costumes da época, a censura se manteve durante todo o regime militar, provocando cancelamento de centenas de capítulos.

O acervo do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), constituído por roteiros de novelas da TV Globo exibidas no fim dos anos 70, foi liberado e se encontra disponível online aqui.Lá são encontrados os capítulos e páginas que tiveram cortes assinalados pela censura.

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