1964
O ano que só deu certo porque militares tiveram apoio da sociedade civil
Anna Paula Rodrigues
Apesar do predomínio dos militares no comando da ação que depôs o presidente João Goulart, o golpe de 1964 só foi possível graças à participação da sociedade civil: donos de veículos de comunicação, empresários, setores conservadores da Igreja, o governo dos Estados Unidos, entre outros. A historiadora, Sarah Vasconcelos, afirma que Jango, embora tivesse altos índices de aprovação como presidente, sofria, desde que assumiu o comando do País, uma campanha massiva de desestabilização em rádios, TVs e mídia impressa. “A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que levou cerca de 200 mil pessoas às ruas de São Paulo contra Jango, mostrava que a estratégia de ameaça comunista estava dando certo”, afirma Sarah.
Um dos principais articuladores da parte civil do golpe foi o banqueiro e então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, junto ao general Castello Branco, então comandante supremo do Exército Nacional. Dez dias antes da queda de Jango, Castello Branco fez um levantamento entre os quartéis em busca de adesões a uma possível ação de resistência contra Jango. Uma semana depois, no dia 28 de março, o governador Magalhães Pinto deu início ao plano, liberando as tropas do general Mourão Filho para marcharem de Juiz de Fora até o Rio de Janeiro, em um movimento que consolidaria o início da ditadura.
O Reforço decisivo do Ipês para o Golpe
Conhecido por influenciar a opinião pública brasileira antes do golpe de 1964, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, ou Ipês, fundado em 1961 por altos empresários brasileiros, fez muito mais do que imprimir panfletos, editar livros e veicular propaganda para desestabilizar o governo de esquerda do presidente João Goulart. “A ação foi bem mais direta do que se pode imaginar: entre 1961 e 1964, período de alta instabilidade política no Brasil, o Ipês atuou energicamente em Brasília, dentro do Congresso Nacional”, conta Sarah.
O Ipês, que foi comandado pelo general Golbery do Couto e Silva, na época oficial de segundo escalão do exército, existiu até 1972 quando, já esvaziado de doações, fechou suas portas. Sua principal herança foram as cerca de 3 mil fichas que seus mais de 400 pesquisadores fizeram sobre as principais lideranças suspeitas da esquerda brasileira. Golbery levou esse material para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI), criado logo após o golpe.
Luiz Diniz, Sociólogo universidade federal de Brasília, diz que o Ipês era um “eufemismo para o grupo conspiratório que se formou para tramar a derrubada de Jango”. Em seu estudo, ela aponta que em apenas uma ação, a vinculação de 15 filmes para criar a insegurança na população, entre 1962 a 1964, foram pagos 450 mil cruzeiros semanalmente a 13 canais de TV. “Os jornais e televisões receberam muito dinheiro, mas depois a própria mídia cedeu espaço. Todos os veículos de comunicação apoiaram o golpe, com exceção do ‘A Última Hora’, que foi fechado porque era o único veículo que apoiava o Jango”, explica.
Segundo uma pesquisa Ibope recentemente revelada pelo historiador Luiz Antônio Dias, pouco antes do golpe, Jango tinha apoio de 72% da população. Sua proposta de reforma agrária era aprovada por 70% em algumas capitais. Mesmo assim, o golpe foi vitorioso. “Quem derrubou Jango não foi o povo, foi a elite burguesa”, defende Dias. “Empresários e grandes industriais estavam unidos em torno do projeto de um Brasil mais avançado. Eles defendiam a livre iniciativa e o capital, antes do golpe e durante a ditadura”, completa.
A advogada Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da Verdade e coordenadora do Grupo de Trabalhadores, atribui o sucesso do golpe ao bombardeio de propaganda contra Goulart, associando-o ao comunismo. “Utilizando uma propaganda massiva, eles conseguiram cooptar elementos, conseguiram recrutar militantes entre as mulheres, entre as igrejas católica e protestante”, diz.