O otimismo do cinema nacional antes do Regime Militar
Renan Freitas
O brasileiro é um povo conhecido mundialmente por suas diversas formas de expressão artístico-cultural. Adepta de largos sorrisos nos rostos, a miscigenada nação é envolvida com o assunto desde os primórdios desse extenso pedaço de terra, quando ainda era mantida sob os olhares cobiçosos dos europeus.
Não relutante, o cinema logo foi moldado ao âmbito da arte brasileira. Para o jornalista do portal UOL, Roberto Sadovski, a chegada da sétima arte no país foi tímida, com filmes mudos, entretanto, logo mudou seus paradigmas ao se nivelar, ao menos essa era a intenção, à potência cinematográfica norte-americana. “O cinema nacional rendeu-se à Hollywood e viu a produção local murchar nos anos 40, viu uma ressurgência com as chanchadas dos anos 50 e teve o comecinho do ‘Cinema Novo’ na virada pros anos 60. Era uma mistura de influências europeias a detrimento da visão americana”, explica.
A docente de pós-graduação de Bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade de Juiz de Fora (UFJF-MG), Alessandra Brum, frisa a gênese da sétima arte no país ao ligá-la ao começo do declínio das chanchadas, sendo essas diretamente atacadas pelo chamado ‘Cinema Novo’. “’O Cinema Novo’ estava em sintonia com a efervescência cultural do período nas artes em geral, com o movimento estudantil e o Centro Popular de Cultura”, aponta.
A professora salienta que na metade do século passado, mesmo com o efervescente crescimento econômico e infraestrutural do país devido à era Juscelino Kubitschek, o período não foi ao todo agradável dado o fechamento da Companhia Vera Cruz, responsável por boa parte da produção do gênero na metade do século passado.
O cineasta, ator e músico Tristan Aronovich, formado na Universidade de Harvard nos Estados Unidos e pela Califórnia Institute of the Arts, frisa que o movimento cultural foi, no século passado, motivo de orgulho para a nação. “O Brasil atravessou momentos riquíssimos de grandes avanços artísticos, estéticos e tecnológicos. Há musicais brasileiros da primeira metade do século XX que não deixam nada a dever aos maiores musicais hollywoodianos de todos os tempos”. Tal reconhecimento foi, também, agraciado pela indústria especializada. “Chegamos a conquistar um prêmio histórico em Cannes com “O Pagador de Promessas” do Anselmo Duarte - que, diga-se de passagem, foi brutalmente injustiçado aqui no Brasil pelos críticos colegas de profissão”, exprimiu com razão sua indignação.
Diretor da Latin América Film Institute, Aronovich aponta que os louros obtidos por artistas brasileiros no começo da expansão cinematográfica deram-se após muito trabalho de bastidores onde, por exemplo, havia déficit de estrutura na produção de obras da sétima arte. “Amargamos momentos difíceis, sofremos demais com a resistência dos brasileiros nas primeiras décadas do século XX no que tocava o domínio técnico da realização cinematográfica”.
O Cinema Novo
O Cinema Novo foi um movimento cinematográfico brasileiro, influenciado pelo ‘Neorrealismo’ italiano e pela "Nouvelle Vague" francesa, e que teve grande reputação internacional. Foi criado por um grupo de jovens frustrados com a falência das grandes companhias cinematográficas paulistas. Influenciados por ‘Rio 40 Graus’ (1955) de Nelson Pereira dos Santos, seu objetivo era criar um sistema onde os filmes fossem produzidos de forma mais barata, porém com mais qualidade.
Alessandra Brum salienta que o Cinema Novo “foi muito bem acolhido pela crítica internacional, principalmente pelos jovens críticos da ‘CahiersduCinéma’, que olhavam para o surgimento dos ‘Cinema Novos’ da América Latina com muita curiosidade e acolhimento”. Para ela existia algo inédito nesse período e que não estava restrito ao padrão estético cinematográfico predominante na época.
Mesmo com a efervescência cultural vigente, o ‘Cinema Novo’ não foi ao todo visto com bons olhos, a afetação nas chanchadas é um exemplo claro. “Foi um movimento de propostas radicais e ousadas, e, como não poderia deixar de ser, provocou reações controversas, porém, sempre passando longe de críticas neutras ou mornas, o que, segundo alguns, seria por si só uma grande conquista do ponto de vista artístico”, respalda Tristan Aronovich.
Para Sadovski, o movimento cinematográfico em pauta chegou ao Brasil com admiração. Para ele há quem defenda que o ‘Cinema Novo’ foi uma “invenção” dos franceses. “As inovações estéticas e narrativas ganharam o mundo anos depois. Eu tive uma conversa com Martin Scorsese quando ele lançou ‘Os Infiltrados’, e ele se mostrou profundo conhecedor e admirador do Cinema Novo. Mas acredito que, tanto antes como agora, é assunto para cinéfilos muito dedicados, não alcançando o vulto de outros movimentos mundiais”, realça.
Mesmo com o novo modelo cinematográfico tendo efervescente reconhecimento, o cineasta baiano Glauber Rocha ainda é o único nome citado fora do Brasil. Líder do movimento ‘Cinema Novo’, Rocha foi responsável por clássicos nacionais como ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ (1963), ‘Terra em Transe’ (1967), – esse vencedor do Festival de Cannes naquele ano - e ‘O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro’ (1969). Nessas obras, o autor faz severas críticas sociais enquanto, ao mesmo tempo, busca se afastar do estilo importado dos Estados Unidos.
Outros títulos apresentados nesse período foram ‘Os cafajestes’ (1962) de Ruy Guerra, obra que provocou alarde e escândalo moral por ser o primeiro filme brasileiro a mostrar o nu frontal. ‘Porto dos Caixas’ (1962) de Paulo César Saraceni, ‘Garrincha Alegria do Povo’ (1962) de Joaquim Pedro de Andrade, ‘Assalto ao Trem Pagador’ (1962) de Roberto Faria, ‘Gonga Zumba’ (1964) de Cacá Diegues, ‘Os Fuzis’ (1964) de Ruy Guerra, ‘Maioria Absoluta’ (1964) de Leon Hiszman e ‘O Bandido da Luz Vermelha’ (1968) de Rogério Sganzerla são destaques do ‘Cinema Novo’ brasileiro.
O ‘Cinema Novo’ foi arduamente repelido pelo Regime Militar que surgiu ao mesmo tempo em que o movimento cinematográfico ganhava espaço. Com isso, obras produzidas no Brasil eram mais conhecidas no exterior. Jornalista no semanário ‘O Pasquim’, Glauber Rocha decretou o fim do ‘Cinema Novo’, pois muitos cineastas não aceitaram se render as imposições dos militares que estavam no poder. A partir de então, o cinema nacional entrou em uma compelida nova era.
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