Por uma imagem tipicamente brasileira
O termo Tropicália tem sua origem nas artes visuais após a obra homônima de Hélio Oiticica
Manaces Silva
Quando pensamos no movimento tropicalista, logo vem à mente ícones da MPB como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, dentre outros. Não podemos negar que o movimento Tropicália, que teve sua origem no final da década de 1960, mais precisamente em 1967 com o III Festival de Música Popular Brasileira – realizado pela Rede Record de Televisão – é, de fato, um movimento com maior apelo musical.
O que muitos não sabem, é que esse movimento também influenciou outras esferas culturais como as artes plásticas, o cinema e a poesia. Nas artes visuais, também existia um engajamento político, pois os artistas acreditavam na inovação estética como forma de revolução.
A docente do Departamento de História da Arte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ana Hoffmann, explica que o termo Tropicália teve sua origem a partir da obra homônima de Hélio Oiticica e após essa obra – que é uma composição ambiental- surge à música “Tropicália” de Caetano Veloso, que posteriormente deu título ao movimento.
A obra Tropicália não só batiza o álbum musical do cantor, mas nomeia um movimento cultural amplo com produções cinematográficas como as do diretor Glauber Rocha, obras teatrais do Grupo Oficina, e também uma série de iniciativas artísticas que compartilham o experimentalismo característico das vanguardas associados ao tom de crítica social, com a tentativa de superar a divisão entre arte e vida.
Ana ressalta que houve uma junção de elementos e ideias, todas com origem no Neoconcretismo. “Basicamente, não existe o termo ‘tropicalismo nas artes plásticas’ propriamente dito. O que temos é um movimento chamado Neoconcretismo. A música e outras modalidades artísticas fizeram uma junção desses conceitos. O Neoconcretismo é análogo ao movimento musical da Tropicália”, diz.
A docente também afirma que essa junção de ideias e conceitos artísticos resultou em uma mudança de costumes. “O Neoconcretismo e a Tropicália tinham em comum a incorporação da arte pop, a renovação cultural e artística, a comunicação de massa e o engajamento político e social. Fazendo uma flexão com outros movimentos, trata-se de uma revolução nos costumes”, explica.
Vários artistas plásticos do Neoconcretismo também merecem notoriedade devido as suas contribuições no processo de enriquecimento artístico do país. Dentre eles figuram Hélio Eichbauer, Rubens Gerchman, Lygia Pape, Ivan Serpa e Carlos Vergara.
Isso é arte?
Esse questionamento permeou a mente dos espectadores da exposição Nova Objetividade Brasileira, aberta no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1967, alavancando Hélio Oiticica como um dos maiores nomes das artes plásticas do tropicalismo. A obra Tropicália – constituída de um ambiente em forma de labirinto com plantas, areia, araras, um aparelho de TV e capas de Parangolé (uma espécie de vestimenta), é um dos expoentes de toda subjetividade do movimento.
O próprio Hélio definia a sua obra como “a primeiríssima tentativa consciente, objetiva, de impor uma imagem obviamente brasileira ao contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional”.
A formulação do Parangolé, em 1964, representa essa interação com as massas. “Com toda a minha experiência com o samba, com a descoberta dos morros, da arquitetura orgânica das favelas cariocas (e consequentemente outras, como as palafitas do Amazonas) e principalmente das construções espontâneas, anônimas nos grandes centros urbanos – a arte das ruas, das coisas inacabadas, dos terrenos baldios, etc”. Hélio pensou o Parangolé para ser usado/dançado e “dar ao público a chance de deixar de ser público expectador, de fora, para ser participante na atividade criadora”.
A principal característica das artes no período da Tropicália era o uso da emoção e da simplicidade aliadas a elementos tipicamente brasileiros. Os artistas da época utilizavam uma linguagem que tornava a arte compreensível para o público em geral, mais que isso, despertava uma interação com eles. Hélio Oiticica fez uma significativa contribuição para as artes visuais ao criar ambientes penetráveis como a obra ‘Tropicália’ e, também, ao libertar a cor para ser sentida e vivenciada com o uso do Parangolé. Esses conceitos eram totalmente inovadores na época, e faziam parte da proposta do Neoconcretismo, que encontra na figura de Oiticica um dos seus principais expoentes.
Tropicalismo e Ditadura
O Tropicalismo foi um movimento breve, com seu início marcado pela obra de Oiticica, em abril de 1967, até a promulgação do AI-5 em dezembro de 1968, mas marcou de forma profunda as produções artísticas futuras. A professora do curso de Artes Visuais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Luciane Oliveira, relata que os artistas dessa época já buscavam formas de questionar a realidade brasileira, e com Tropicalismo houve uma articulação de interesses e questões que tornaram a ‘nossa realidade’ brasileira mais complexa. Ela explica que existia uma relação de conflito entre as artes visuais e a Ditadura. “As produções tropicalistas em diferentes linguagens, sofrem censura por questões relacionadas à crítica política ou por serem consideradas escandalosas para os padrões da sociedade da época”, diz.
Luciane também lembra que muitos artistas tropicalistas tiveram que se exilar devido a forte pressão do governo, e isso acaba provocando o fim do movimento. “A Ditadura instituiu um padrão de processo de censura amplo e efetivo e também gerou o exílio de artistas. Esses dois termos: censura e exílio é a associação que provoca o fim do tropicalismo”, afirma.
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