Livrai-nos da Ditadura, amém!
Francisco Gardel
São Paulo. 19 de março de 1964. Parecia mais um dia comum pelas ruas da capital paulista. Ninguém imaginava que dentro de alguns dias o país tomaria um rumo político de uma forma rápida e radical. Na época, a Igreja procurava um ar de renovação, consequência da criação da Campanha da Fraternidade, que surgira no mesmo ano da ditadura.
Nesse mesmo período, centenas de senhoras católicas saíram às ruas de São Paulo e marcharam, em nome da Família e com Deus, a favor da liberdade. A marcha foi articulada pelo deputado Antônio Sílvio da Cunha Bueno juntamente com o padre irlandês Patrick Peyton que se declaravam combatente do perigo do comunismo. A Marcha também tinha apoio do grupo católico Tradição, Família e Prosperidade (TFP).
Várias organizações da sociedade civil manifestaram apoio aos militares, entre elas a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que publicou um documento de apoio em 30 de abril de 1964. Desse modo, a Igreja lançara notas de repúdio aos simpatizantes da causa e assim declarou apoio aos militares.
Viravolta
Entretanto, por outras vias, as mudanças políticas vieram à tona com o registro de violações aos direitos humanos, repressões contra diversas instituições e censura midiática e, desse modo, bispos e padres adotaram medidas mais progressistas. Consequentemente surgira na Igreja novos movimentos de evangelização, que criavam laços mais estreitos da Igreja com o povo católico.
Além das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que foi um movimento de atenção maior aos pobres, surgiu também a Juventude Operária Católica (JOC), para se aproximar dos operários, a Juventude Universitária Católica (JUC), buscando uma interação com os estudantes, e anos depois surgiu o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão de Justiça e Paz (CJP), e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Com esses movimentos, a Igreja passa a levantar a bandeira das causas sociais do nosso país, o que levaria a sérios problemas com o estado militar.
No interior do Brasil, o regime militar não foi tão tenso como na capital. Os padres que viveram a ditadura relatam de que o medo era maior e, por isso, não se falava muito no assunto. “Durante as celebrações, nós orientávamos ao povo que reagisse de forma pacífica aos atos cometidos pelos militares, pelo menos aqui no interior de São Paulo. Em nenhum momento, a Igreja pediu para que o povo fosse às ruas contra o movimento militar. Tinha-se muito medo. Ninguém quase falava do assunto. Nós padres também morríamos de medo. Não houve censura aqui no interior e sim houve muito medo”, conta o padre Aldomiro Storniolo, 89, que vive em Americana e viveu a ditadura militar.
A pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade - Grupo de Trabalho "O Papel das Igrejas durante a Ditadura", professora Magali da Cunha, acredita que uma parte da Igreja Católica pagou um preço caro por combater as opressões deixadas pela ditadura militar. “O compromisso cristão é com a promoção da vida - vida em abundância. Quando a vida e todas as dimensões que atuam para torná-la digna, como a paz e a justiça, estão em risco ou são negadas por um determinado poder, a Igreja precisa ser voz e ação profética. Uma parcela da Igreja Católica assim se colocou durante a ditadura militar no Brasil e pagou o preço por isto. Outra parcela optou por fazer o papel dos "profetas do rei e do templo" como nos narram as Escrituras e certamente este não é aquele papel coerente com a vontade de Deus”, relata.
Em abril deste ano, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou uma nota reconhecendo de que foi um “erro histórico” no quais setores da Igreja faziam parte na época da Ditadura. Mesmo que houvesse alas da Igreja que apoiaram o golpe, a CNBB ressalta que houve mudança no comportamento da Igreja após a descoberta de atos violentos que vinham sido adotados pelos militares. Desse modo, a Igreja obteve um papel que anos depois pôde ser compreendido com o objetivo de libertar e dar assistência a aqueles que sofriam injustamente.
No interior, os padres não sofriam com a ditadura, porém, na capital, era visível as formas de repressão. Clique aqui e saiba a história de um padre que foi perseguido durante dez anos e psicologicamente torturado.