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As marcas da ditadura

Bárbara Oliveira e Jenny Vieira


Já se passaram cinco décadas desde o início do Regime político que colocou o governo brasileiro nas mãos dos militares. Aqueles que atuavam contra o Regime eram severamente punidos, fazendo dessa época um momento de repressão, perseguição política e falta de democracia.

Juliana Lisboa atua na área de estudos sociais. Sobre esse período da história ela explica: “a Ditadura implantou a ordem. O principal problema se deu pela falta de liberdade de expressão. O povo não podia dizer o que pensava do governo. Muitos que eram contra a liderança política sofriam perseguições e torturas”.

Em 1984 a campanha “Diretas Já” levou o povo às ruas em busca de mudanças, que se consolidaram no ano seguinte com a eleição democrática de Tancredo Neves. “Nas ‘Diretas Já’ grande parte da população, que antes apenas assistia ao que estava acontecendo, participou. Foi possível sentir a força que o povo tem quando se dedica a um objetivo em comum”, conta Juliana.

Mas com o passar do tempo as lembranças de perseguição e censura vão se limitando a um capítulo na história e na memória daqueles que viveram o Golpe.

Geraldo Moreira da Silva, de 73 anos, foi um dos ativistas que tentou lutar contra a Ditadura. Em sua concepção, o Brasil perdeu anos de crescimento durante este período que marcou a história do país. Porém, mais do que isso, marcou a sua história e deixou cicatrizes que são carregadas até hoje.

Ele sempre foi adepto ao governo Jango, preocupava-se com a classe dos trabalhadores e com os estudantes. Quando notou que a liberdade já não era mais presente no Brasil, decidiu abraçar a causa e opor-se totalmente ao Regime Militar. Foi no ano de 1967 que, junto com o amigo e operário Arnaldo Fontes, Geraldo começou a promover o movimento estudantil em Ouro Preto - MG. Eles escreviam cartas sobre o abuso dos supervisores na fábrica em que trabalhavam e convocavam os estudantes e trabalhadores a lutarem contra o Regime para um jornal de estudantes. “Quando os supervisores liam o jornal, encontravam textos falando sobre o abuso individual e a exploração dos trabalhadores. Um deles, sem saber que eu quem havia escrito, falou para mim: ‘Se eu encontrar esse cara, eu mato ele’. Comecei a perceber que as coisas estavam ficando sérias”, conta Silva.

Depois disso as coisas só pioraram. No ano seguinte, os militares começaram a matar os que se opunham ao governo e em 1969, os dois amigos começaram a ser procurados por ajudarem os estudantes. Não demorou muito para que Arnaldo fosse capturado. Com medo, Geraldo fugiu para a Baixada Santista e parou de se envolver diretamente na luta contra o Regime. Por ter saído rapidamente da cidade de Ouro Preto, acabou deixando para trás muitos documentos.

No ano de 1970, Arnaldo foi morar na cidade de Cosmópolis, no interior de São Paulo, em busca de um emprego e começou a trabalhar na construção das refinarias. Por ser pouco conhecido na cidade, encontrou ali um refúgio. “Me apaixonei pela cidade e apenas duas pessoas sabiam onde eu estava. Por isso, ficava mais fácil. Falsifiquei minhas assinaturas e até minha profissão”, conta. Para evitar ser pego a qualquer momento, Geraldo se mudou diversas vezes e trabalhou em vários lugares. Passou por Espírito Santo, Amazônia, Bahia e outros estados brasileiros, esperando que a “poeira abaixasse”.

O tempo passou e, na visão de Geraldo, as coisas estavam mais calmas. O silêncio dos fatos acabou gerando conforto e tranquilidade. “Durante uma passagem por Aracajú, me hospedei em um hotel na cidade de Sergipe e, despreocupado, deixei vários dados arquivados na ficha da hospedagem. Na semana seguinte, no dia 11 de outubro de 1975 alguns policiais foram me procurar na refinaria da Petrobrás, onde eu trabalhava”, relembra. Eles já o estavam procurando há alguns anos e o levaram para a Delegacia da Polícia Federal. “Eu fiquei com medo, pois sabia o que eles faziam com os prisioneiros políticos. Quando cheguei lá, os policiais estavam na porta esperando o ‘terrorista mineiro’, como me taxaram”, continua.

Depois de esperar 111 dias, preso na Polícia Federal, Geraldo foi condenado a seis meses de prisão. “No presídio fiquei 69 dias comendo só manga. A comida que eles ofereciam era horrível. Esses dois meses foram um inferno na minha vida”, comenta.

E esse é apenas um dos traumas com os quais ele teve de lidar. Segundo a psicóloga Natally Guimarães os traumas são lesões psicológicas ocasionadas por um evento de grande impacto e afetam diretamente questões físicas e emocionais. “Quando um indivíduo sofre traumas fortes como uma tortura, pode acontecer que ele passe a apresentar comportamentos de inadequação como, por exemplo, passar a ser agressivo”, comenta.

Na época em que estava preso, Geraldo recebeu diversas notícias de amigos que foram torturados e mortos. Natally explica que é possível se recuperar dos traumas, as lembranças ficam, mas é possível superá-las. “Você não é responsável pelo que fazem com você, mas pode escolher o que fazer com isso daqui pra frente. Essa atitude permite que se desfrute melhor da vida, sem culpa ou vitimização. O indivíduo se torna protagonista da própria história”.

Mesmo com as lembranças do tempo de perseguição, ele conseguiu se estabilizar e reorganizar sua vida. Hoje é casado e pai de quatro filhos. Sua única tristeza é saber que, por mais que a democratização tenha sido alcançada no Brasil, os soldados que mataram e torturaram pessoas no passado, não serão devidamente punidos. A história continua, mas as marcas permanecem.

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