A ditadura e a copa de 70
Como o futebol foi usado na propaganda militar no governo de Médici
Por Bruna Perales
Em 1970, o Brasil ainda vivia sob a Ditadura do Regime Militar, instaurado em 1964. O presidente era o general Emílio Garrastazu Médici, que governou o país de 1969 a 1974. Médici era da "linha dura", a ala mais radical dos militares. Seu governo foi, talvez, o mais repressivo da história política do Brasil, resultando na morte e tortura de centenas de oposicionistas, acusados ou suspeitos de "subversão".
Marcelo Paes de Oliveira, professor de História e Sociologia para o Ensino Médio do Unasp-EC explica o período do governo Médici. “O Ato Institucional 5, editado em dezembro de 1968, estava em plena vigência, o que dava poderes quase que absolutos ao Executivo e limitava muito a liberdade pessoal e política dos cidadãos. Tanto o governo quanto movimentos de guerrilha usavam de métodos violentos para defesa de seus pontos de vista”, analisa.
Foi também um período em que parte da oposição decidiu partir para a luta armada, e ocorreram sequestros de diplomatas estrangeiros para trocá-los por prisioneiros políticos e assaltos a banco.
Milagre brasileiro
Na época, a economia brasileira crescia mais de 10% ao ano. Vivia-se o "Milagre Econômico", com um crescimento acelerado de diversos índices da economia, embora esse crescimento tenha tido como base o capital estrangeiro, o que levou ao endividamento do país e à hiperinflação da década de 1980.
Crescimento da economia significava também aumento da oferta de empregos na indústria. Foi um momento em que a classe média realizava seus sonhos comprando carros e eletrodomésticos. Foi nesse contexto político e econômico que a seleção brasileira conquistou a Copa do Mundo no México e o Brasil se tornou o primeiro país tricampeão.
Segundo o escritor Jeocaz Lee Meddi a imagem de país próspero e feliz possuía contradições. “Enquanto o povo delirava com os gols, a economia atingia o auge do que se chamou “Milagre Econômico”, mostrando um país próspero e feliz. Nas celas os presos eram torturados, mortos e desaparecidos. Nas rádios o hino da copa ecoava para os noventa milhões de brasileiros: “Pra frente Brasil”!” A máquina de propaganda do regime militar nunca foi tão bem-sucedida como naquele ano”, afirma.
Futebol e propaganda política
Além da tortura e da repressão, o governo Médici usou a propaganda como arma política. O General era apresentado como um "homem do povo" e "apaixonado por futebol". A vitória da seleção brasileira sobre a seleção italiana por 4 a 1, na final, foi bastante explorada pela propaganda do governo em slogans do tipo "Ninguém segura este país" ou "Brasil; ame-o ou deixe-o".
Oliveira explica o uso da seleção brasileira como propaganda para o Regime em 1970.
“A Copa de 1970 serviu de vitrine ideológica para a Ditadura Brasileira. Após o fracasso da Copa de 1966, era questão de honra ganhar em 1970. A rigidez da Ditadura Brasileira foi reproduzida, a seu modo, no ambiente da seleção.
A seleção brasileira chegou ao México cerca de um mês antes do início da competição, para se ambientar à altitude. Militares estavam em postos estratégicos da delegação e comissão técnica, como o major-brigadeiro Jeronimo Bastos (chefe da delegação) e os capitães Claudio Coutinho (supervisor) e Carlos Alberto Parreira, que era filho de militares e trabalhava como preparador físico. Tudo isso para que não houvesse a mínima indisciplina nem a mínima possibilidade de fracasso”, comenta.
A Copa também acabou servindo como objeto de debates acalorados entre a esquerda brasileira. Havia aqueles que consideravam a competição simplesmente como forma de distrair a população da situação política do país, e que por isso torciam por outras seleções, e aqueles que defendiam que não se deveria misturar futebol e política, e que torciam pelo sucesso do time brasileiro.
Segundo Meddi, a intenção dos militares era usar a seleção brasileira como forma de alienação. “Os militares viram na Seleção uma boa oportunidade para desvio de foco. E o futebol foi usado como arma publicitária, em slogans do tipo ‘ninguém segura este país’ e ‘pátria de chuteiras’, por exemplo,”, conta o escritor. . Nas rádios, o hino da Copa ecoava para os “noventa milhões em ação, pra frente Brasil! Salve a Seleção!“ Ou seja, a Seleção Brasileira era, claramente, uma potente arma a serviço do Regime de exceção. Pelo menos, é o que garante Jeocaz Meddi. “Os militantes da época viam o futebol como algo que alienava. E, de fato, essa era a intenção dos militares”.
O técnico que classificou o Brasil para a Copa de 1970 foi João Saldanha, que acabou substituído por Mario Zagalo durante a competição. Alguns acreditam que a substituição de Saldanha por Zagalo teria sido resultado de uma suposta interferência de Médici. O então presidente da República teria dado palpite na escalação do time feita por Saldanha. O técnico teria respondido que Médici mandava nos ministérios, mas que quem mandava na seleção era ele (Saldanha).
Para Marcelo Oliveira, a intervenção dos militares começou depois da derrota na copa do mundo de 1966, quando o governo “passou a acompanhar mais de perto os passos da Confederação Brasileira de Desportos e de seus funcionários. Além disso, a própria entrada de militares na entidade que gerenciava o futebol brasileiro aumentou. O uso político da Seleção durante o Regime Militar não precisa de muitas palavras. Uma imagem basta, qualquer uma que mostre a recepção do time tricampeão do mundo em Brasília pelo presidente Médici, com a Jules Rimet nas mãos”, declara.
Veja abaixo a campanha do Brasil na copa do México, em 1970:
Primeira fase (Grupo 3)
03/06/1970 Guadalajara Brasil 4 x 1 Tchecoslováquia
07/06/1970 Guadalajara Brasil 1 x 0 Inglaterra
10/06/1970 Guadalajara Brasil 3 x 2 Romênia
Fase final
21/06/1970 Cid. do México Brasil 4 x 1 Itália
SEMIFINAL
LOCAL
JOGOS
17/06/1970 Guadalajara Brasil 3 x 1 Uruguai
14/06/1970 Guadalajara Brasil 4 x 2 Peru