O início de uma era sem árvores
14 milhões de hectares. Essa foi a quantidade de terras desmatada na Amazônia durante o período militar. Levar sulistas e nordestinos para explorar a “terra da fartura” e provocar mudanças profundas na região foi o legado da integração nacional
Douglas Pessoa
Janeiro de 1972. A abertura da mais extensa rodovia brasileira já havia singrado a maior parte do Pará. A cada dia que se passava mais e mais agricultores chegavam do Maranhão e Piauí à procura das prometidas terras produtivas que o governo militar vendeu por preços irrisórios. As terras margeavam a Transamazônica e sua ocupação satisfazia a vontade do general e presidente Emílio Médici.
“Meu filho era muita terra, muita mesmo! Nunca pensei que um dia pudesse ser dono daquilo. Mas havia um problema. Era tudo mata virgem. Eu e meus empregados teríamos que derrubar todas aquelas árvores. Deu trabalho, mas conseguimos.” Com essas palavras o ex agricultor Cícero Mendes começa a contar sua história. Assim como milhares de nordestinos do Meio-Norte, Mendes participou da grande migração que o governo militar promoveu para a Amazônia e iniciou a era do desmatamento na região. Ele conta que na época, o governo distribuía terras para quem tivesse interesse de torna-las produtivas. Mas o preço para a natureza foi alto.
Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, a Embrapa, 14 milhões de hectares foram desmatados. Na maior parte dessas terra as grandes árvores eram derrubadas no machado. Logo em seguida incêndios com labaredas quilométricas abriam espaço para a cultura de arroz, milho e mandioca. Em seguida esses produtos eram vendidos em cidades transamazônicas, como Marabá.
“Eu lembro que derrubei mogno, castanheira, andiroba e outras árvores que nem sei o nome. Ninguém falava em deixá-las em pé. Não existia nada dessa conversa de preservação que tem hoje. As árvores que não derrubei no machado eu toquei fogo. As cinzas ajudavam a adubar o solo”, relata Cícero Mendes. Hoje aposentado, o ex agricultor conta como foi era a vida naquela época de intensa exploração da Amazônia. “Assim que fazíamos a primeira queimada a produção era grande. Mas depois de alguns anos a terra não ia produzindo como antes. A cada colheita a safra diminuía e tínhamos que derrubar mais árvores, caso contrário não íamos ter o que comer”, pontua.
O pesquisador da Embrapa Alfredo Homma, de Belém, explica alguns erros da exploração promovida pelos militares na Amazônia. “Naquela época, o que maioria dos colonos não sabia é que as terras sempre pertenceram à União. Ou seja, eles eram “emprestadas” para que eles aumentassem o contingente populacional e agrícola do sudeste do Pará. A ideologia militar era ocupar a Amazônia não importando como essa ocupação fosse feita”, conta. Segundo o pesquisador os subsídios oferecidos pelo governo só beneficiavam os grandes produtores. “O dinheiro era direcionada para os mais favorecidos”, pontua.
O medo de uma eventual internacionalização da Amazônia fez o então presidente Castelo Branco cria a Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia, a Sudam. A autarquia era responsável por promover a ocupação da região norte. Através dela, o governo militar dava isentava de impostos quem precisasse comprar maquinário, praticar atividades agrícolas ou indústrias na Amazônia Legal. No entanto, poucos anos depois de ser criado, já estava sujo com a lama da Transamazônica. Segundo investigação do Ministério Público Federal, dos R$547 milhões de reais liberados para os projetos amazônicos, cerca de R$ 132 milhões foram desviados em um esquema de corrupção que provocou escândalo nacional. Entre os envolvidos estava o senador Jader Barbalho, PMDB-Pará, que, na época, era governador do estado.
Em agosto de 2001 o então presidente Fernando Henrique Cardoso extinguiu a Sudam e criou a Agência de Desenvolvimento da Amazônia.
Consequências
“Depois de algum tempo fuçou impossível cultivar naquelas terras. O governo havia falado que o solo o Pará é muito rico, mas o que vimos foi a pobreza aumentando e muita gente, que não tinha como voltar para o Maranhão, ir morar em Marabá. Em 1980 eu e minha família nos mudamos para essa cidade que aqui estou até hoje”, finaliza Mendes. O aposentado se sente enganado pelo governo militar. O que ele e os militares provavelmente não sabiam é que a região norte tem um dos solos mais pobres do país. Segundo pesquisas feitas na Universidade Federal do Pará, a terra na Amazônia tem pouquíssimos nutrientes. O que sustenta a enorme floresta é camada de folhas, galhos e material orgânico que está depositado na superfície. Ou seja, retirada a cobertura vegetal, a riqueza se esvaia.
O pesquisador Alfredo Homma, da Embrapa, defende que a ideia de que o único estilo de exploração viável para a Amazônia é o modelo sustentável. Ele também defende a ideia de que a economia de mercado tem destruído o modelo extrativista. “Graças a esse novo modelo econômico implantado na região, o extrativismo foi deixado de lado para dar lugar a exploração que destrói. No últimos anos, frente a pressões de ONGs e da ONU, o Brasil tem combatido a exploração. No entanto, se não for oferecido aos colonos um modelo sustentável, essa luta contra o desmatamento vai se tornar obsoleta”, afirma.
As consequências do medo militar de perder a Amazônia para os estrangeiros foi catastrófica para a região. O índice de desmatamento tem diminuído pouco e as cidades incharam. Bolsões de pobreza e violência urbana tem caracterizado a região. Certamente Emílio Médici não tinha noção de que sua visão expansionista iria criar uma das regiões rurais mais violentas das Américas.